Certamente seria uma sátira escrever a respeito de “injustiça” para você, porém um dos deveres da Psicanálise é, “condenar à prescrição todo imperativo mortificante e toda sentença mórbida que vige sobre o sujeito, que de direito deve permanecer vivo”. Essa afirmação, talvez, não se aplique somente aos casos clínicos, mas a todos os sujeitos inseridos em sociedade que precisam lidar com “a sentença de morte de ideais” julgado por pessoas que fazem das instituições organismos injustos, pessoas estas que já tem seu caráter sentenciado por vergar frente ao poder.
E de toda verdade que o processo psicanalítico busca sondar as camadas mais obscuras e ilógicas do inconsciente, porém não se resguarda as questões morais e éticas do sujeito dentro de seus princípios e crenças provindo de seu meio; “para se destruir uma sociedade, comece pela família, melhor pelo sujeito”, dizia Maquiavel em sua sábia perversão. De certo modo é o que fazemos com a nossa família, toda vez que apontamos ou falamos para as nossas crianças á respeito de políticos corruptos, adolescentes que matam, apontando culpados para aviões que caem etc. e, após o ocorrido não tomamos as mínimas providencias, como cidadãos, para reparar tal negligencia. Providencias necessária para nós, mas de vital importância para os nossos pequenos, que assistem seus país mergulhado ao caos e muitas vezes ouvem os pais dizendo: “pois é, ainda bem que estamos longe; isso é coisas deles; esse país ta perdido mesmo; isso não é da minha conta...”.
Sabe-se que o referencial identificatório, bem como os primeiros contatos em nível simbólico se estabelece com os pais, e a partir disso tem principio a estruturação da personalidade, e mais tarde, o senso crítico. Como ficará tal senso critico, se os princípios negligenciais já são introgetados nos relacionamentos primários paternos?
Nosso querido Chico Buarque de Holanda dividia os seres humanos em dois tipos: os cordiais e os polidos. Os polidos eram de descendência européia, pessoas com personalidade mais “fria”, eram mais racionais. Já os cordiais, eram sujeitos interioranos em que predominava a emoção, onde tudo é motivo para carnaval. Apesar de os “polidos” serem mais racionais e “frios”, são os que suportam mais adequadamente situações de sofrimento, identificando-se mais como grupo, ao contrário dos cordiais, que poucas vezes sabem traum arbeit (trabalhar o sofrimento), segundo Freud.
Talvez tenhamos que redefinir a justiça aprendendo a pensar como polidos em situações que envolvam seriedade, não nos eximindo como cordiais nos momentos trágicos, mas trabalhando o sofrimento após o ocorrido, se não para nós, para que nossos filhos tenham a possibilidade de escolha e a maturidade para executar o que estamos aprendendo a pensar. Não definamos “injustiça” com demagogias baratas ou terminologias rebuscadas a fim de ocuparmos o papel de “analfabetos funcionais”, sentimo-a e praticamos seu oposto.